segunda-feira, 3 de abril de 2017

Direita do Equador não aceita a derrota

Lenín Moreno e Rafael Correa
Por Victor Farinelli, na revista CartaCapital:

Quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que o resultado das urnas neste domingo (2/4) já era irreversível, e confirmava a vitória do candidato governista Lenín Moreno – que foi vice de Rafael Correa em seu primeiro mandato –, o Equador teve que enfrentar o mesmo momento de tensão política pelo qual passaram a Venezuela em 2013 e o Brasil em 2014.

Desde aquele primeiro minuto, a reação da direita equatoriana foi a de apostar na desestabilização e no confronto social. O banqueiro Guillermo Lasso, representante da direita que experimentava seus primeiros minutos na condição de candidato derrotado, saiu rapidamente a dar uma declaração, qualificando o processo eleitoral como “fraudulento”, assegurando possuir provas a respeito.

Além de não reconhecer sua derrota, Lasso chamou o presidente recém eleito de “ilegítimo”, e convocou seus aderentes a um conceito que ele qualificou como “desobediência pacífica”, que fossem às ruas protestar contra o resultado supostamente viciado, mas sem provocar casos de violência – que finalmente aconteceram, apesar de suas advertências, com militantes de sua coalizão rompendo bloqueios policiais e atacando ou ameaçando sedes de partidos de esquerda ou sedes do CNE. Também disse que seus próximos passos serão um pedido de recontagem dos votos e a apresentação das supostas provas de fraude aos organismos internacionais.

Naquele momento havia pouco mais de 95% das urnas apuradas. Moreno possuía 51,11% e Lasso 48,49%. A diferença era de pouco mais de 2%, que em números absolutos significava mais de 200 mil votos, e os votos que faltavam ser apurados eram menos que isso.

Estilo Capriles-Aécio

Há quatro anos, quando Nicolás Maduro venceu a última eleição presidencial venezuelana com a mesma vantagem de pouco mais de 200 mil votos, seu adversário, o direitista Henrique Capriles, fez o mesmo número midiático repetido neste domingo por Lasso: não reconheceu a derrota por poucos votos, acusou fraude e chamou seus seguidores às ruas para protestar.

O resultado daquele chamamento foi uma série de enfrentamentos em diferentes capitais de províncias, edifícios partidários vandalizados e oito simpatizantes chavistas assassinados. O seguinte passo, naquele então, também foi pedir recontagem dos votos e auditoria nas urnas eletrônicas – algo impossível no caso do Equador, onde o voto é em cédulas de papel –, cujas apurações terminaram confirmando o resultado, o que novamente foi desconhecido pela direita.

Finalmente, o terceiro passo foi partir para uma postura abertamente confrontativo com respeito ao governo de Maduro, desafiando suas decisões, tentando sabotar suas medidas e buscando vias constitucionais – ou leituras viciadas de certos mecanismos – para abreviar seu mandato presidencial.

Essa postura, sobretudo as tentativas de reverter o resultado das urnas no tapetão e a sabotagem política do governo através do Legislativo, também foi adotada pelo senador brasileiro Aécio Neves após a derrota para Dilma Rousseff em 2014. Com o apoio do deputado Eduardo Cunha, conhecido desafeto de Dilma, Aécio conseguiu criar uma rebelião dentro da coalizão governista, que levou finalmente ao processo de impeachment sem crime de responsabilidade, a base do primeiro golpe de Estado vivido pelo Brasil neste século.

No caso da Venezuela, a ofensiva ainda não gerou a desejada queda de Nicolás Maduro, mesmo contando – como nos casos do Brasil e do Equador – com o apoio de praticamente todo o empresariado do país a favor da reinstauração da agenda neoliberal. Mesmo com todos os gritantes equívocos cometidos pelo herdeiro de Hugo Chávez, e algumas medidas que foram claramente autoritárias e antidemocráticas.

No caso de Lasso e do Equador, essas estratégias talvez sejam mais resistidas pelo novo governo. A acusação de fraude eleitoral – que tampouco teve sucesso no Brasil e na Venezuela – levou o CNE equatoriano a se adiantar, convocando um número recorde de observadores, os quais, ao menos por enquanto, não confirmam as desconfianças da oposição.

A estratégia de obstrução permanente e impertinente contra o governo de Lenín Moreno poderá ser uma alternativa, mas em um princípio se verá impedida pela conformação do Legislativo unicameral do Equador. Após as eleições legislativas de fevereiro, a governista Aliança PAIS ficou com 74 das 137 cadeiras disponíveis. Mesmo perdendo 26 deputados, manteve a maioria simples. As forças de oposição reunidas possuem 63 das vagas no parlamento, uma bancada que cresceu, e que é grande o suficiente para barrar algumas medidas que requerem quórum qualificado, mas não qualquer coisa.

Correa e Assange

A eleição de 2017 marcou o fim do período de Rafael Correa, que já está há dez anos no poder, e deverá entregar o cargo a Lenín Moreno em maio. Contudo, não se trata do fim do correismo no Equador, já que o vencedor foi o candidato apoiado pelo atual presidente.

Durante a campanha, Moreno usou bastante a palavra “mudança”, como forma de se adiantar à estratégia da direita de aproveitar a onda de restauração conservadora no continente, que possivelmente castigaria quem pretendesse se mostrar como representante da continuidade pura e simples. O discurso apostava em renovar o projeto de Correa, para reforçar as políticas sociais, um sofisma para vender o continuísmo como novidade. Levou a uma vitória magra, mas uma vitória enfim – resultado melhor que o do kirchnerismo, que acabou derrotado em 2015, por exemplo.

Com relação ao futuro de Correa, ainda não há certezas. É bastante provável que continue tendo influências sobre o governo equatoriano, mesmo de fora, e sobretudo quando vierem os momentos de dificuldades políticas – algo como foi Lula para Dilma.

Entretanto, o economista também trabalha seus objetivos no cenário internacional, aproveitando que é hoje um dos líderes de esquerda com maior popularidade na América Latina. Uma das opções nesse sentido seria assumir a secretaria-geral da Unasul. A proposta teria ademais um efeito simbólico, já que uma das promessas de Guillermo Lasso durante a campanha foi a de desalojar o edifício-sede da Unasul em Quito, para transformá-lo no novo palácio presidencial do Equador.

Outro despejo pregado por Lasso foi a do ativista australiano Julian Assange. O hacker criador do site WikiLeaks está asilado na embaixada equatoriana em Londres desde agosto de 2012 – a princípio, devido a uma acusação de crime sexual cometido na Suécia, que fizeram com que o Reino Unido esteja esperando sua saída do edifício diplomático para efetuar sua extradição, porém também há uma acusação dos Estados Unidos de crime contra a segurança nacional, e seus apoiadores temem que a mesma poderia levá-lo à pena de morte.

Guillermo Lasso disse várias vezes que pretendia rever o asilo outorgado a Assange, sempre usando a mesma expressão de que “a embaixada não é um hotel”. O candidato banqueiro também acusou o ativista de colaborar politicamente com a aliança governista, quando surgiram documentos acusando-o de possuir contas em paraísos fiscais, com milhares de dólares sonegados.

Uma das declarações do banqueiro – “pediremos cordialmente ao senhor Assange que se retire da embaixada, durante os primeiros 30 dias de governo” – foi ironizada pelo hacker, minutos depois da divulgação dos resultados definitivos por parte do CNE. Através de sua conta de twitter, Assange disse “convido cordialmente o senhor Lasso a deixar o Equador nos próximos 30 dias (com ou sem o dinheiro que guarda nas offshores)”.

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