sexta-feira, 30 de junho de 2017

Dallagnol, cadê a transparência?

Por Marcelo Auler, em seu blog:

Autointitulado bastião da moralidade, o messiânico procurador da República Deltan Dallagnol, visto por todos como o São Jorge que combate o dragão da corrupção, precisa incorporar ao seu dia a dia uma das teses que sempre defendeu ao compactuar com vazamentos seletivos de informações sigilosas para a imprensa: a transparência.

Esta, todos sabem – e ele, mais do que ninguém – deve ser regra e não exceção ao lidarmos com informações do interesse público e, principalmente, com relação aos agentes públicos.

Como tal, Dallagnol não pode recorrer à privacidade no momento em que se fala de remuneração, principalmente por que no seu caso a principal fonte é o cofre da União. Direito à privacidade ele tem com relação a aplicação do salário que recebe, algo que lhe diz respeito.

Já com relação ao dinheiro auferido, deve sim satisfação ao contribuinte, mesmo que seja em atividades paralelas ao trabalho de procurador. Afinal, como tal, a lei limita seus ganhos aos proventos e à atividade do magistério. Portanto, no seu caso, assim como de outros agentes públicos, o direito à privacidade se restringe ao que faz com o dinheiro que recebe dos cofres da União, como professor (se for o caso) ou mesmo em função do cargo que exerce.

Dentro do principio constitucional, independentemente da discussão se tem ou não direito a cobrar – e caro – por palestras que venha a ser solicitado em função da notoriedade conquistada a partir do que deveria ser o mero exercício do seu dever de servidor, é preciso tratar do assunto com a devida transparência.

O debate sobre seu direito a conferir palestra a auditórios refinados, como do 8º Congresso Internacional de Mercados Financeiros e de Capitais, ao lado de pesos pesados da economia como Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, já vem sendo bem abordado por Luís Nassif e Patrícia Faermann no Jornal GGN em artigos como As palestras de Dallagnol e os voos de Temer; Deputados alertam sobre palestras de Dallagnol a CNMP; e Dallagnol doou 45% a 60% de lucro de palestras em 2016.

O que falta cobrar do procurador é a transparência que ele parece ter esquecido. Na medida em que considera ética e legal – assim como também defendem muitos dos seus colegas – a atividade de palestrante, ele não tem motivos de esconder informações. Não basta, portanto dizer que no período X ou Z proferiu tantas palestras, e repassou valores para instituições de caridade ou um fundo de combate à corrupção do qual jamais se soube detalhes.

Dallagnol, assim como o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), deve de forma a evitar dúvidas e encerrar de vez qualquer polêmica, tornar público detalhes de T O D A S as palestras que proferiu, com data, hora e local, bem como quanto aferiu com cada uma delas e qual foi o CNPJ que lhe pagou. Afinal, o interesse por elas surgiu a partir do exercício de sua função pública, mais do que os resultados dos seus possíveis estudos.

Não apenas isso. É bom também, em nome desta transparência, tornar público os ganhos extras que por ventura tenha recebido dos cofres da união. Como membro do MPF, ele recebe seu salário, tem direito a receber o esdrúxulo auxílio moradia – do qual, pessoalmente, pode até abrir mão – e, vira e mexe, atrasados devidos que rotineiramente engordam bem seus proventos, assim como de seus colegas. A propósito, em dezembro passado o Jornal GGN, com base em reportagem do Valor Econômico, noticiou - Procuradores da República recebem até R$ 121 mil líquidos. Há, porém, outros ganhos que como servidor ele tem direito no exercício das funções. Como diárias por viagens.

Não se está suspeitando que Dallagnol, nos deslocamentos que fez para proferir palestras, tenha recebido diárias pagas pelo MPF. Ele mesmo diz que dos ganhos com estas conferências retira os valores equivalentes às despesas. No seu Facebook, esclareceu:

(…) Em 2017, após descontado o valor de 10% para despesas pessoais e os tributos, os valores estão sendo destinados a um fundo que será empregado em despesas ou custos decorrentes da atuação de servidores públicos em operações de combate à corrupção, tal como a Operação Lava Jato, para o custeio de iniciativas contra a corrupção e a impunidade, ou ainda para iniciativas que objetivam promover, em geral, a cidadania e a ética.

Aqui já há algo a ser explicado. Certamente ele recebe estes proventos como pessoa física.Logo, quando fala em impostos, o percentual apresentado é muito pequeno pois apenas o Imposto de Renda de valores altos como das suas palestras fica na casa dos 27%. Logo, 10% para despesas e impostos não batem.

Levando-se em conta que suas palestras, pelo que foi anunciado, valiam entre R$ 30 mil ou R$ 40 mil, conclui-se que 10% significa entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. Lógico que aí não está o Imposto de Renda. Portanto, tem-se que se trata do que ele diz ser reembolso das despesas que, por sua vez, dificilmente inclui o deslocamento, normalmente pago à parte. Para reembolso de despesas, é um valor alto. Basta comparar com a diária que o Ministério Público Federal lhe paga quando de viagem a serviço.

A Procuradoria da República é bastante generosa neste sentido. Seus membros, procuradores ou servidores, fazem jus a 1/30 do salário bruto como diária de viagem, fora a passagem e o deslocamento da residência ao aeroporto e do aeroporto de destino ao local onde trabalhará. Como o salário base de um procurador é de R$ 28.947,55, cada diária equivale a R$ 964,91. Mais do que um salário mínimo – R$ 937,00 – apenas para gastos de hospedagem, alimentação e deslocamento urbano, por dia. Indiscutivelmente uma diária bastante gorda. Exagerada. O que falar então de R$ 3 mil, que Dallagnol inclui genericamente como despesas?

Pela regras da Procuradoria Geral, no entanto, caso a viagem perdure mais de 30 dias – o que costuma ser raro, ressalve-se – o procurador ou servidor, a partir do 31º dia, recebe o dobro. Isto é mais raro de acontecer. Porém, é previsto. Ao que consta, no caso da Operação Lava Jato um acordo limitou a um máximo de oito diárias/mês.

A título de comparação, ao lado a tabela de diárias do Poder Executivo Federal. O maior valor pago pelo governo federal é a um ministro de Estado, em deslocamento a cidades como Manaus e Rio de Janeiro – R$ 581,00, não incluindo a passagem. Um delegado federal, a serviço, fará jus a R$ 224,20. Quatro vezes e meia menos do que um procurador da República. Se a diária no MPF é exagerada, no funcionalismo público, há muito, está minguada.

O quer se cobra de Dallagnol que gosta de assumir o papel de São Jorge a combater o dragão da corrupção e dos desmandos públicos, é a total transparência. A mesma que ele defende nos serviços públicos – e, aparentemente, compactuou, quando dos vazamentos seletivos de informações confidenciais de processos da Lava Jato jamais investigadas. Em nome deste princípio, ele deveria vir a público esclarecer tudo. Publicando a relação das palestras dadas, os responsáveis pelos pagamentos das mesmas, as despesas que teve e os valores que repassou generosamente. Paralelamente, explicaria se recebeu ou não diárias da Procuradoria e em quais casos isto aconteceu. Preto no branco, como o princípio da transparência que prega.

1 comentários:

Almeida disse...


Será que esse "fundo" está custeando o filme da lava-jato ?
custeando as campanhas com out-door pelas ruas de Curitiba a favor da lava-jato ?

Importante saber o real destino dos valores arrecadados.